Procedimento Administrativo de Responsabilização - PAR
Com o advento da Lei nº 12.846/13, denominada por “Lei da Empresa Limpa” ou “Lei Anticorrupção”, inaugura-se no ordenamento brasileiro novo marco legal de responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos à Administração Pública nacional e estrangeira. Com escopo de responsabilização bastante amplo, as disposições da legislação em tela aplicam-se às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras que tenham sede, filial, ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.
No que concerne especificamente à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, considerando que a Lei nº 12.846/13 não a previu expressamente dentre as pessoas jurídicas sob sua égide normativa, havia dúvidas quanto à possibilidade de que tal pessoa jurídica pudesse ser responsabilizada com base no referido diploma.
Com vistas à definitiva resolução do questionamento em tela, a Comissão de Coordenação de Correição aprovou, em 11 de setembro de 2017, o Enunciado nº 17, nos seguintes termos: “A empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) está sujeita à responsabilização administrativa prevista na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013” (DOU em 12/09/17).
Até o advento desse diploma legal, existia verdadeiro vácuo no ordenamento brasileiro com relação à responsabilização de empresas pela prática de atos corruptores, uma vez que o crime de corrupção, tanto na modalidade ativa como na passiva, atingia tão somente a conduta de pessoas naturais (pessoas físicas). Tal lacuna explicava-se, dentre outros fatores, pela resistência de parcela substancial da doutrina penalista à possibilidade de imputar responsabilidade criminal a pessoas jurídicas, fundamentada, sobretudo, no dogma da culpabilidade e da indispensabilidade do elemento subjetivo.
Por outro lado, restava na seara administrativa apenas a possibilidade de utilizar a Lei nº 8.666/93 para sancionar atos relativos à corrupção praticados por empresas, desde que diretamente relacionados ao processo licitatório ou à execução contratual, os quais poderiam redundar em declaração de inidoneidade. Outros atos de corrupção, como, por exemplo, o pagamento de propina a um servidor público fora do contexto de uma licitação ou de um contrato administrativo, não eram passíveis de gerar a responsabilização administrativa de uma pessoa jurídica, dependendo assim da intervenção judicial para sua punição, o que muitas vezes ocorria tardiamente e não atendia aos anseios sociais por uma relação mais transparente entre o setor público e o setor privado.
Ao elencar o rol de atos lesivos à Administração Pública, foram contemplados tanto ilícitos diretamente relacionados ao desenvolvimento de licitações e contratos administrativos, quanto ilícitos relacionados à prática de atos de corrupção em sentido amplo, para além, portanto, do estrito âmbito das licitações públicas e contratos administrativos. Buscou-se um enfrentamento mais global à problemática da corrupção, dando-se maior ênfase à responsabilização não-criminal (administrativa e civil) da pessoa jurídica corruptora.
Na esfera administrativa, restou consignado que a responsabilização da pessoa jurídica infratora seria verificada no bojo de um processo administrativo de cunho sancionador, denominado de “Processo Administrativo de Responsabilização – PAR”. Por meio do Capítulo IV da Lei nº 12.846/13, foram estabelecidas regras específicas que conformam todo o desenvolvimento do rito processual, desde a instauração do processo, com a definição da autoridade instauradora, passando pela fase de instrução, com a designação da comissão processante e exercício do direito de defesa, chegando à fase de deslinde do feito, julgamento, estabelecendo-se nuances do ato de julgamento a ser proferido pela autoridade julgadora, cuja regra de competência encontra-se expressamente prevista.
Dentre as penalidades administrativas passíveis de aplicação por meio do PAR estão a) a pena de multa no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e b) a publicação extraordinária da decisão condenatória. Ambas poderão ser aplicadas isoladas ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações.
Como já referido, no âmbito da CGU, com a finalidade de dar melhor cumprimento ao que determina a Lei nº 12.846/13, foi instituída na estrutura orgânica da Corregedoria-Geral da União a Diretoria de Responsabilização de Entes Privados – DIREP, área específica para atuar na responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos de corrupção, inclusive em relação àqueles não estritamente vinculados a licitações e contratos administrativos, por meio da atuação de uma equipe especializada no assunto e com dedicação exclusiva ao tratamento da matéria.
Neste tema comporta mencionar, ainda, o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), que consolida a relação das empresas que sofreram qualquer das punições previstas na Lei nº 12.846/13, as quais, como já referido, podem envolver desde a publicação de decisão extraordinária e a aplicação de multas, na esfera administrativa, até a perda de bens, a suspensão de atividades e a dissolução compulsória, na esfera civil, além da proibição de receber incentivos, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos e entidades públicas. parência a todas as punições aplicadas, o CNEP funciona como um importante instrumento de controle pela sociedade quanto ao cumprimento da Lei. No CNEP também são registrados os acordos de leniência firmados pelas empresas com o poder público, inclusive aqueles que eventualmente sejam descumpridos.
No tema responsabilização de entes privados, compensa mencionar, por fim, que a IN CGU nº 14/2018 previu, como procedimento investigativo, a Investigação Preliminar (IP) e, como punitivo, o PAR aqui referido. Os arts. 15 a 18 e 49 e 50 reúnem as principais normas sobre IP e PAR, apontando, ainda, os demais normativos que deverão ser examinados para a adequada condução dos processos.
Fonte: CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Manual de Processo Administrativo Disciplinar • 2022. Brasília: CGU, 2022.
(http://www.cgu.gov.br/atividade-disciplinar)